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Os extremos dos arroios: da ecopedagogia ao descarte desenfreado de esgoto

30 de agosto de 2023

No cenário urbano de Ijuí, um trabalho árduo de um ano se desdobra para revolucionar o panorama ambiental e garantir o desenvolvimento sustentável da cidade: o plano de recuperação dos arroios. A equipe da Secretaria do Meio Ambiente dedicada por trás desse esforço está focada no levantamento de campo, uma tarefa que engloba desde a implementação da rede de esgoto até o meticuloso planejamento urbano do município.

As preocupações ambientais em Ijuí são evidentes e, entre elas, uma é a central: o esgoto sanitário que vai para os quatro arroios urbanos da cidade. O descarte inadequado de resíduos de residências e indústrias, despejados nas águas emerge como um problema de impacto ambiental de magnitude. Pontos irregulares de descarte de resíduos, salpicados em diversas regiões da cidade, acentuam ainda mais essas preocupações.

Apesar de paliativos, os trabalhos em conjunto entre as Secretarias de Obras e de Meio Ambiente se fazem necessários. Nas últimas semanas mutirões de limpeza estão sendo realizados. Esse esforço visa não apenas limpar pontes e áreas sujeitas a alagamentos, mas também responde a um relatório de avaliação de riscos meticulosamente elaborado. O foco é direcionado às áreas de maior criticidade, com o propósito de mitigar possíveis desastres.

“Diversos pontos de descarte irregular de resíduos em todas as regiões da cidade foram flagrados. A limpeza busca retirar resíduos dos cursos d’água para que possa correr de forma livre. No entanto, conforme observamos, o principal contaminante são os efluentes que se misturam com as águas e trazem efeitos devastadores”, lamentou o secretário do Meio Ambiente, Yuri Pilissão.

A missão do mutirão de limpeza é clara: desobstruir os cursos d’água para possibilitar um fluxo desimpedido das águas. Quatro arroios – Espinho, Matadouro, Novo Leste e Moinho – convergem dentro da área urbana de Ijuí. Uma atenção especial também é direcionada ao Arroio Potiribú, que fornece água para consumo humano e, portanto, requer intervenção precisa.

Pressão urbana e necessidade de ação

Os desafios mais prementes surgem onde a pressão urbana é mais intensa. Um exemplo notável é o Arroio Moinho, cuja estrutura foi grandemente canalizada para acomodar a expansão da cidade. Em 1976 os jornais da cidade estampavam em suas capas manchetes como a grande solução para os problemas relacionados aos afluentes da época. Desde então, pouco – ou quase nada – foi feito para evoluir no que se refere ao local.

Arroio Moinho foi canalizado em 1976. Foto: acervo de Memória Virtual/Reprodução

A reportagem da Rádio Progresso percorreu o trecho que está localizado no “coração” de Ijuí, passando por diversos estabelecimentos comerciais e residenciais, o Estádio 19 de Outubro e demais áreas nobres da cidade. A Prefeitura, durante a audiência pública realizada no mês de julho, levantou a possibilidade abrir parte da estrutura do canal. Um formulário on-line foi disponibilizado para que a comunidade avaliasse esta obra. Os dados ainda não foram concluídos e em breve a o Governo Municipal deverá repassá-los.

“Não sei se é a solução para o local, mas observamos que, em outros países, como a exemplo da Europa, há um convívio interessante entre arroios e rios nas partes urbanas da cidade. Há uma necessidade de que o canal seja visto de uma forma diferente”, disse o morador do Centro de Ijuí, Ênio Souza.

Canal passa pelas principais ruas e avenidas de Ijuí. Foto: Leonardo Carlini

Obras de esgotamento sanitário refletem em melhorias

A Companhia Rio Grandense de Saneamento (Corsan) busca ampliar em 90 quilômetros as redes coletoras de esgoto sanitário. As entregas de ligação de esgoto em Ijuí contribuem para o cumprimento das metas de universalização dos serviços de água e esgotamento estabelecidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento.

Conforme Pilissão, embora apenas 30% do esgoto em Ijuí seja tratado atualmente, as obras em andamento revelam melhorias significativas na qualidade da água dos arroios. “Um exemplo tangível disso é o Arroio Espinho, situado próximo à Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul. Bairros como Morada do Sol, Universitário, Thomé de Sousa e Pindorama, que margeiam o Arroio Espinho, já foram particularmente beneficiados com essas melhorias”, destacou o titular da pasta do Meio Ambiente.

Em março, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente realizou o imageamento aéreo do perímetro urbano de Ijuí. O helicóptero sobrevoou o município a fim de efetuar o escaneamento da área topográfica que faz parte do projeto de recuperação dos arroios. A etapa do helicóptero traz imagens reais com uma altura e tecnologia bem específicas. Isso tudo será colocado em um mapa atualizado que será disponibilizado para a população. Os dados estão sendo processados e até outubro o plano busca ter o material para utilizar a Secretaria do Meio Ambiente.

As partes dos diagnósticos e prognósticos já foram feitas bem como audiências públicas foram realizadas e envolveram 33 bairros de Ijuí: Alvorada, Distrito Industrial, Getúlio Vargas, Industrial, Lulu Ilgenfritz, Morada do Sol, Pindorama, São Geraldo, Thomé de Souza, Universitário, Assis Brasil, Boa Vista, Burtet, Centro, Distrito Industrial, Elizabeth, Ferroviário, Hammarstron, Herval, Independência, Luis Fogliatto, Lulu Ilgenfritz, Mundstock, Osvaldo Aranha, Penha, Progresso, São Geraldo, São José, São Paulo, Sol Nascente, Storch, Tancredo Neves e Tiarajú.

 

Trilha da Vó Preta traz exemplo de desenvolvimento sustentável

O arroio Espinho tem cerca de 40% do seu curso em áreas urbanas que compreendem os bairros Morada do Sol, Universitário, Thomé de Sousa e Pindorama. Ao longo do seu trajeto ainda é possível observar  esgoto a céu aberto e depósito de lixo. No entanto, no trecho em que passa pelo campus da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (Unijuí), o arroio compõe uma das áreas de proteção permanente (APPs), aos cuidados da instituição. Neste local há a trilha da Vó Preta, um trecho de 344 metros que atrai inúmeros visitantes.

Essa área de proteção permanente é fundamental para a preservação do meio ambiente. Ações de recuperação e melhoria estão planejadas para serem permanentes, juntamente com atividades de sensibilização sobre a biodiversidade e os impactos ambientais das atividades humanas no que se refere ao arroio Espinho. A Prefeitura de Ijuí, por sua vez, pretende realizar a ampliação da trilha, que se estenderá até o Parque da Pedreira, evidenciam a busca incessante por uma relação harmoniosa entre a cidade e o ambiente.

Local se tornou um atrativo turístico sustentável em Ijuí. Foto: Leonardo Carlini

“É incrível como esse lugar é belo. Como a natureza nos proporciona coisas boas quando estamos em um contato respeitoso com ela”, disse Sandra Didoné, que levou seu neto Pedro, de um ano, passear pela trilha.

Sandra e seu neto Pedro visitam com frequência a Trilha da Vó Preta. Foto: Leonardo Carlini

Ao longo do percurso, existe uma ruína de um antigo moinho e vestígios de uma casa atribuída a Vó Preta, antiga moradora que tinha conhecimentos tradicionais das ervas medicinais e benzeduras. Na área, há uma trilha utilizada das mais diversas formas como espaço prioritário para ações de recuperação e melhoria das condições locais. Inicialmente serão realizadas ações de qualificação da trilha, promovendo a sua institucionalização. No espaço da trilha e outras APPs são realizadas atividades de vivências que abordem a biodiversidade (fauna, flora e solo) e impactos socioambientais das atividades humanas (resíduos sólidos, esgotos, poluição).

Entrevista

Conversamos com a professora Francesca Werner Ferreira. Atualmente a ambientalista coordena a Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural (Aipan), é presidente do Conselho do Meio Ambiente de Ijuí, é membra do Conselho Gestor do Saneamento Básico de Ijuí (Consabi) e do Conselho do Plano Diretor Participativo (Conpladip). Em âmbito estadual, Francesca faz parte da coordenação da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apadema) e integra o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).

Ambientalista Francesca Ferreira conversou com a reportagem da RPI. Foto: Reprodução/Facebook

RÁDIO PROGRESSO – Como a senhora observa o contexto que envolve urbanização e arroios em Ijuí?

FRANCESCA – Os arroios urbanos foram utilizados ao longo da história como locais essenciais para o desenvolvimento econômico da “Colonia de Ijhuy”, por exemplo para mover moinhos, serrarias e monjolos, e também para a descarga de dejetos. Com o crescimento da cidade houve o aumento da ocupação com moradias e empresas, ao longo dos arroios e o consequente aumento de efluentes e  de resíduos sólidos (lixo), como também a destruição das matas ciliares e a destruição das nascentes.
Os arroios se transformaram em canais/redes de esgoto e depósitos de lixo.

RÁDIO PROGRESSO – Sobre a Trilha da Vó Preta, a senhora foi a principal articuladora para que ela fosse implementada. Como ela foi pensada?

FRANCESCA – Em 2018, o PET/Biologia (Grupo de Pesquisa e Educação Tutorial, curso de Ciencias Biológicas) realizou ações para avaliar as condições ambientais das APPs, através do levantamento florístico do componente arbóreo, do inventário da fauna terrestre, além da fauna aquática (macroinvertebrados bentônicos). Também foi desenvolvido um protocolo de avaliação rápida (PAR) de qualidade ambiental, a partir da caracterização das condições ecológicas dos recursos hídricos, com a finalidade de verificar o grau de preservação/degradação daqueles ambientes.

Já, em 2019, foi realizada uma ação conjunta entre o PET e o NGABio (Nucleo de Gestão ambiental e Biosegurança, da Unijuí) para coleta, classificação e quantificação dos resíduos sólidos encontrados na área da Trilha, quando foram coletados cerca de 570 quilos de todos os tipos de resíduos.

A partir do trabalho realizado no ambiente “interno” da Universidade, o projeto desenvolveu  atividades, conectando diferentes metodologias aplicadas na avaliação da qualidade ambiental das APPs, com metodologias ativas de educação ambiental, junto às escolas parceiras (localizadas na área de abrangência da microbacia do arroio Espinho – Escolas Carlos Zimpel, João Goulart, Tomé de Sousa e Chico Mendes), bem como diferentes oficinas de vivências na Trilha, para educação e sensibilização do público visitante do campus.
Foram realizadas ações para qualificação da trilha, como construção de equipamentos para melhorar a acessibilidade com a recuperação dos acessos e caminhos, identificação da vegetação natural representativa da fauna regional e colocação de banners com informações sobre a fauna nativa que habita as áreas do campus.

Foram (e ainda são) realizadas atividades práticas que abordam a diversidade biológica presente ao longo do trajeto, especialmente fauna, flora e solo, como também sobre os impactos socioambientais das atividades humanas (resíduos sólidos, esgotos, poluição) a partir da ocupação desordenada desta microbacia.

Estas atividades têm o intuito de conscientizar e sensibilizar a comunidade de modo geral, especialmente aquela vinculada às escolas, apresentando temáticas socioambientais para o desenvolvimento do currículo.
O projeto, também iniciou um resgate histórico sobre a personagem que nomeia a trilha, Vó Preta, a dona Evarista Gonzagre de Oliveira.

RÁDIO PROGRESSO – Quais os avanços percebidos após a sua implementação?

FRANCESCA – Com acesso e informações as pessoas que frequentam o campus, assim como escolas e outras entidades que realizam visitas, passaram a conhecer o espaço ecopedagógico, que se tornou mais um atrativo.
O arroio Espinho ainda sofre com o descarte irregular/ilegal/irresponsável de resíduos e efluentes (esgoto) e também com a destruição de suas nascentes e matas ciliares. A trilha é um pequeno espaço, mas representa uma possibilidade de aproveitamento de forma qualificada deste bem comum que é o arroio.

RÁDIO PROGRESSO  – Quais os fatores que você julga necessários para termos arroios urbanos “saudáveis”?

FRANCESCA – “RE-RE-RE” REcuperar ou REstaurar margens e nascentes, através de programas de saneamento básicos como a implantação da rede coletora de esgotos com o tratamento deste, além melhorar a drenagem urbana e da coleta de resíduos, ou seja, a implementação do Plano Municipal de Saneamento Básico (Plamsab). Além da fiscalização do poder público, a população tem que fazer o seu papel, fazendo a ligação das residências à rede coletora bem como a separação e descarte correto dos seus resíduos.
Para além da consciência e conhecimento é necessário a sensibilidade, com Responsabilidade para com o bem comum (ambiente saudável) e o bem viver (ambiente saudável para todos).

Fonte: Rádio Progresso de Ijuí